Psiquismo Fetal
A existência de um psiquismo pré-natal
Com o desenvolvimento da tecnologia, tal como o ultrassom, ficou muito mais viável a observação do desenvolvimento fetal e do ambiente onde é gerado, que antes era tido como um lugar quente, escuro e silencioso, isolado do mundo externo e protegido das interferências de estimulações, associando-o a ideia de total segurança. E hoje já sabemos que não é bem assim, fatores internos e externos influenciam no ambiente podendo criar um meio mais ou menos favorável ao desenvolvimento saudável do bebê. Reações observadas através da ultrassonografia em determinadas situações apontam para uma existência de respostas emocionais como de medo e pânico. Fetos de mulheres grávidas em estado de estresse intenso apresentam batidas cardíacas mais aceleradas e respostas motoras mais intensas. Eles expressam seus estados emocionais de agrado e desagrado por meio dos seus comportamentos, como pontapés, chutes, movimentos intensos e frequentes. Como já sabemos, a mãe transmite para o feto todos os nutrientes necessários para a sua formação através do cordão umbilical, contudo, não é só isso que é transmitido de mãe para feto; suas emoções também são passadas ao bebê, por meio de hormônios na corrente sanguínea. E esses sentimentos podem afetar bastante a personalidade da pessoa. Já nos primeiros meses de gestação o feto tem a percepção do seu ambiente, apesar de não ter a habilidade de interpretar corretamente todas as informações que são passadas; contudo, nos meses seguintes o bebê que já está em um estágio de desenvolvimento mais avançado consegue diferenciar sentimentos bons dos ruins, daquilo que o faz mal e daquilo que o faz bem. Por exemplo: um relato de Piontelli (1992): “uma menininha, observada através de ultrassom desde o início da gravidez, se mostrava um feto muito ativo, movimentava-se bastante, brincava com a placenta e o cordão umbilical. Uma de suas brincadeiras era manipular com os dedinhos a placenta num movimento de querer descolá-la. Esta manipulação acabou provocando um forte sangramento. A mãe correu o risco de perder o bebê e foi colocada em repouso absoluto até o fim da gravidez. A menina passou a ficar absolutamente imóvel enfiada em um canto do útero até o fim da gravidez. Ela havia aprendido que a sua movimentação havia posto em risco a sua vida.”
Este é um exemplo bem claro de como o bebê diferencia aquilo que lhe faz bem daquilo que lhe faz mal.
Pesquisas mostram que todos os sentidos do feto encontram-se em operação pelo menos a partir do segundo trimestre de gestação. Hoje se sabe que o feto sente, percebe e ouve a voz materna, os sons internos e viscerais da mãe, como a digestão, os batimentos cardíacos e a circulação sanguínea. Alessandra Piontelli (1995) desenvolveu várias pesquisas e executou várias observações sobre o comportamento fetal devido ao grande interesse pelo assunto. Em seus estudos verificou a existência ou não de uma continuidade do comportamento antes e depois do nascimento, se surpreendia com a individualidade de cada feto, e concluiu que cada um apresentava comportamentos individuais, e que estes se mantiveram em sua vida pós-natal. A partir de 24 semanas, o feto está atento e responde de forma particular aos estímulos sonoros. Sons fortes provocam respostas em seus olhos, movimentos de sobressalto, aceleração do ritmo cardíaco. Sons de menor estimulação, continuados ou rítmicos (como o das palavras) levam a desaceleração cardíaca. Tal fato foi constatado através de experiências em que mães cantarolavam determinadas cantigas durante o período de gestação, e logo após o nascimento observou-se a preferência musical do feto pelas cantigas conhecidas durante o período pré-natal.
Além de estímulos sonoros, que são detectados pela sua capacidade auditiva, o feto apresenta capacidades psicomotoras muito ágeis. Considera-se o ambiente uterino interativo e estimulante para o desenvolvimento deste. Ele vive num espaço flutuante e amplo, onde tem os seus membros e o corpo livre para movimentar-se. Segundo Wilheim (2003), estes movimentos espontâneos podem começar por volta de cinco semanas, mas devido ao amplo espaço uterino que existe no início do seu desenvolvimento estes só são detectados por sua mãe por volta dos quatro ou cinco meses de gestação. O tato é outro sentido bem desenvolvido por volta de quatro meses. O toque, as carícias são importantes para o desenvolvimento do feto, assim, ao massagear a barriga, tocá-la, faz com que o feto sinta que está sendo acariciado, e perceba que está recebendo devida atenção.
Quando um bebê é rejeitado ainda na barriga da mãe, pode ser que mais tarde essa pessoa, que desde cedo já experimentou sentimentos negativos, se torne uma pessoa insegura com pensamentos como “não sou desejado”, “não sou querido”, “não sou aceito”, “não sou acolhido”, “não pertenço”, reproduzindo, em outro nível, a angústia sentida na ocasião do primeiro registro pré-natal. Portanto, uma gravidez não desejada pode causa danos psicológicos não só a mãe, mas como também ao bebê; a experiência de vida intrauterina não é mais considerada segura. Os sentimentos negativos intensos e profundos têm suas raízes nesta fase da vida que são assimilados pelo indivíduo como sentimentos de abandono, desconfiança e rejeição. Tornando assim, o vínculo mãe-bebê uma relação complicada de acontecer.
Estas experiências têm valiosas contribuições a respeito da formação da personalidade, que por sua vez é o conjunto de modos próprios de ser e agir, o que define a sua identidade e a diferencia dos outros seres, que é constituída a partir de experiências pelas quais passa o indivíduo. Com isso, podemos considerar que o assunto é de extrema importância para a psicanálise, pois a partir de pesquisas realizadas na área constata-se que as experiências pelas quais passa o feto desde a sua concepção até o nascimento ficam registradas em uma matriz básica inconsciente, e que a personalidade se desenvolve a partir de acontecimentos pré-natais Neste contexto, percebe-se que a forma com que o feto vivencia suas experiências pré-natais marca sua história e constitui suas vivências no decorrer da vida. Ele vivencia o inconsciente de sua mãe e a consciência desta. Ele interage com estes fatores produzindo registros de memórias que irão influenciar na formação da sua personalidade, conduta e comportamento. O estágio pré-natal da vida representa uma oportunidade sem par para a prevenção primária de problemas psicológicos, emocionais e físicos que aparecem no desenrolar da vida. É nessa fase que se pode lançar mão de procedimentos preventivos para diminuir a taxa de nascimentos prematuros, morbidade e mortalidade perinatal, assim como de distúrbios psicológicos. Sendo importante lembrar que nem tudo o que acontece com a mãe durante a gestação desencadeia este sofrimento para o feto. Dependendo das situações, da intensidade, do estado em que a mãe se encontra, e principalmente da relação que a mãe tem para com ele, vários serão os recursos que poderão amenizar este sofrimento.
Referências
Griggs, Richard A. Psicologia: uma abordagem concisa. Artmed, 2009.
http://www.revistacontemporanea.org.br/site/wp-content/artigos/artigo165.pdf