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Pães e Emoções


Uma emoção é como um pão. Não podem ser guardados em uma gaveta, pois o mofo e bolor tomam conta, causando um ambiente desagradável. Assim ilustrou a professora Elisa Walleska Krüger Costa, Doutora em Psicologia Clínica e Cultura pela Universidade de Brasília, em uma de suas aulas ministrada no curso de Teorias da Personalidade.


Quem já teve a oportunidade de fazer um pão caseiro, sabe que há todo um rito de misturar os ingredientes, sovar a massa, deixá-la descansar em uma vasilha coberta, em seguida abrir a massa, modela-la, colocar na assadeira, deixar outro tempo em descanso, para só depois assar, esperar esfriar um pouco, e degustar a experiência gastronômica.


De igual modo, seguindo a analogia encimada, algumas emoções também passam por um processo que pode envolver uma mistura de experiências diversas, até seu amadurecimento em que se passa por uma modelagem, um descanso, às vezes levada ao fogo, mas que ao fim tem um tempo para ser expressa e consumida.


Para Jonhmarshall Reeve as emoções são mais complexas do que parecem de início. Ele define a emoção como o “constructo psicológico que une e coordena os quatro aspectos da experiência em um padrão sincronizado”[1]. Esses quatro aspectos seriam os componentes subjetivo (sentimentos), propositivo (estado motivacional para uma meta), social-expressivo (expressão facial ou vocal) e biológico (ativação fisiológica, respostas motoras).


Em seu componente propositivo a emoção, segundo a maioria dos pesquisadores, funciona como um motivo, havendo quem diga constituir no sistema motivacional primário.


Na quase totalidade da história da psicologia, os impulsos fisiológicos (fome, sede, sono, sexo e dor) foram considerados como motivadores primários. Por exemplo, quando alguém é privado de ar, um impulso fisiológico toma-lhe toda a atenção fornecendo energia e direção voltada a um comportamento necessário para que se consiga ar, o que levaria a concluir que a privação de ar seria um motivo homeostático primário.


No entanto, o pesquisador da emoção, Silvan Tomkins, mencionado por Jonhmarshall Reeve, entende que essa conclusão é errônea, pois a perda de ar provoca uma reação emocional forte (medo ou terror) e é esse medo que provoca a motivação de agir, e não a privação do ar, de modo que, se a emoção fosse retirada, se estaria tirando a motivação do indivíduo.


Disso já se percebe a importância das emoções para o ser humano como um impulsionador para a vida. Mais que isso, Charles Darwin, em sua obra “The Expression of Emotions in Man and Animals”, sustentou que as emoções ajudam os animais a se adaptarem aos seus ambientes, do mesmo modo que características físicas, sendo funcional a expressão das emoções, e, portanto, candidata à seleção natural.


Vale dizer, a emoção surge de algum evento importante para a vida do organismo visando sua adaptação às mudanças ambientais. Tal qual a dor física, a emoção é um sinalizador de algum tipo de alteração no ambiente e de que algo deve ser feito. Daí que, ignorar, reprimir ou suprimir uma emoção pode colocar o organismo em algum tipo de risco ou limita-lo em seu desenvolvimento, uma vez que impede a realização do propósito emocional.


O citado autor Jonhmarshall Reeve afirma que “as emoções servem pelo menos para oito propósitos, isto é, proteção, destruição, reprodução, reunião, afiliação, rejeição, exploração e orientação”[2]. Exemplifica, nesse sentido, que para o propósito de proteção, a emoção do medo dá a energia e direcionamento ao corpo para retirada e fuga. Por outro lado, se a meta é destruir algum aspecto do ambiente (p. ex., um inimigo, um obstáculo, restrições), a raiva prepara o corpo para o ataque. Em síntese, para cada atividade importante, o homem desenvolveu uma reação emocional adaptativa correspondente.


Diz ainda o mesmo autor:


a emoção “má” é coisa que não existe. A alegria não é necessariamente uma emoção boa e a raiva e o medo não são necessariamente emoções más. Todas as emoções são benéficas porque dirigem a atenção e canalizam o comportamento para onde é necessário, segundo as circunstâncias enfrentadas. Com isso, cada emoção fornece uma prontidão única para responder a uma situação em particular. Desse ponto de vista, medo, raiva, repugnância, tristeza e todas as outras emoções são boas. Isso acontece porque o medo facilita de maneira ótima a proteção, a repugnância facilita de maneira ótima a repulsa a objetos contaminados e assim por diante. As emoções são, portanto, organizadoras positivas, funcionais, propositivas e adaptativas do comportamento.


Em recente filme de animação, “Inside Out”[3], os estúdios Walt Disney Pictures retrataram de forma lúdica o papel de cinco das chamadas emoções básicas (alegria, tristeza, raiva, medo e repugnância) no desenvolvimento do ser humano desde o nascimento até a vida adulto.



A história foca nas alterações emocionais que uma pré-adolescente, Riley, teve de enfrentar ao mudar de cidade com a família. No mundo lúdico da animação, cuja maior parte da história ocorre na cabeça de Riley, cada emoção é representada por um personagem que assume o controle de uma central de comandos dos comportamentos para cada circunstância, sendo que predomina o controle pela personagem Alegria.


O enredo se desenvolve quando a personagem Alegria tenta isolar a personagem Tristeza para que esta não toque nas memórias bases e assim transforme as memórias alegres em tristes. Após um acidente na central de comando, Alegria e Tristeza vão parar no labirinto das memórias de longo prazo, deixando a central de comandos sob o controle da Raiva, Medo e Repugnância, que, tentando inserir novas memórias felizes, mas do seu próprio jeito, provoca um caos na vida de Riley.


A animação “Inside Out” ilustra bem o papel de cada emoção e no equilíbrio que deve haver entre elas, tendo cada uma o seu papel, o que, na história, inclui a Tristeza, que tem o seu momento de vital importância para atuar, não devendo ficar isolada.


Em nosso cotidiano, especialmente na era das redes sociais, é similar a história em que apenas as denominadas emoções positivas, como a alegria, é que devem ser expressas e estar no controle. Quem nunca ouviu frases do tipo: “não se sinta assim”, ou “não fique assim” quando alguém expressa algumas das chamadas emoções negativas, como tristeza, raiva ou medo.


Tais frases, de tão comuns, muitas vezes são aceitas pelo indivíduo como sua regra de sobrevivência, a ponto de ser dita para si mesmo, a exemplo de “homem não chora”, ainda que todas as alterações fisiológicas, cognitivas e ambientais, indique que vai chorar, reprimindo e acumulando tal emoção ou memória emocional, em um constante esforço de supressão das emoções dirigidos por regras sociais.


Ainda no mundo cinematografia, a série de ficção científica Jornada nas Estrela

s apresenta uma raça de sujeitos conhecida como Vulcanos. Os Vulcanos chamam a atenção por que estão constantemente buscando superar suas emoções, negando-as e rejeitando-as por acreditar que dessa forma é que conseguem atingir suas máximas realizações cognitivas.


Como já foi dito, o sistema emocional é um aliado determinante para o desenvolvimento do sistema cognitivo, de maneira que afastar as emoções para enriquecer o conhecimento é mais ficção do que ciência. Basta imaginar um bebê (Vulcano) que se recusasse a sorrir ou chorar. O nível de intensidade e qualidade da interação social com os seus cuidadores seria bem reduzido e suas necessidades deixariam de ser atendidas. Se adultos, mais problemas adviriam justamente pela perda de capacidade de se adaptar as mudanças ambientais.


Infelizmente, de um modo ou outro, muitos vivem (forçados por regras sociais ou não) ou parecem querer viver como se fossem do povo Vulcano. Em parte, talvez seja da natureza humana que vive em sociedade. Afinal, o que os outros vão pensar; O que vão pensar se eu expressar tristeza, tendo aparentemente tudo o que alguém desejaria; o que vão pensar se eu expressar raiva, tendo eu professado determinada crença religiosa ou pertencendo a algum grupo de status superior que deva manter certa conduta; o que vão pensar se expressar amor por alguém que não corresponde, que rejeita, ou por quem não deveria por não estar no mesmo nível (econômico, social, etário, acadêmico) que eu; o que vão pensar se expressar desejo por algo incomum; o que vão pensar se meus desejos forem socialmente inaceitáveis?


A questão é: a emoção é importante, mas todas devem ser sempre expressas a todo tempo e de todas as formas? Bem, o desejo de matar alguém se executado trará consequências para o sujeito que assim o fizer, mas não significa que não possa exteriorizar a existência dessa emoção de outra forma, como apenas escrevendo ou falando para alguém, até porque a emoção expressa alivia a tensão e não fica acumulada.


No poema “Ilíada”, do grego Homero, é relatada a história de Páris, príncipe de Tróia, que, por ter escolhido a deusa Afrodite para dar uma maçã de ouro com a inscrição “a mais bela” (a propósito, recusando a sabedoria oferecida por Atena ou a fama e o poder oferecida por Hera), lhe foi prometido ter o amor da mulher mais bela da terra. Ocorre que sua escolha recaiu sobre Helena, casada com Menelau, rei de Esparta. A consequência de se levar em frente essa emoção de encantamento pela beleza de Helena, foi, após sua fuga/rapto, ter se iniciado a conhecida guerra de Tróia, culminando na destruição da cidade e morte de muitos pelos gregos.


De outro lado, outra obra de Homero, a “Odisseia”, relata um episódio em que o herói Ulisses teria que navegar por uma região onde existiam sereias (criaturas com corpo de pássaro e cabeça de mulher) que com seu canto hipnotizava os homens que por ali passavam para depois devorá-los. Ulisses desejava ouvir aquele canto, mas sabia ser fatal. Então, para atender seu desejo e evitar as consequências se utilizou da seguinte estratégia: ordenou que seus marinheiros colocassem cera nos ouvidos para se proteger do canto das sereias, mas ele apenas foi acorrentado ao mastro do navio sob ordem de que em hipótese alguma fosse solto até que chegassem a um local seguro. E assim foi que Ulisses foi o único a experenciar o canto da sereia sem a consequência da morte.


Essas duas histórias ilustram o que pode ser feito com as emoções que podem trazer consequências ruins se expressadas de forma impulsiva. Pode levar a própria destruição e a dos que estão próximos, como ocorreu como Páris e Tróia, ou pode ser expressa de uma forma segura, como fez Ulisses, comparando seu ato de se acorrentar ao mastro com o expressar uma intensa emoção acompanhada por um profissional capacitado a ajudar o indivíduo.


Voltando ao início deste texto, se a emoção é como o pão que não se deve guardar na gaveta, que tipo de “bolor” a emoção reprimida pode guardar?


Antes de responder essa pergunta com base em teorias da personalidade, impende registrar a curiosidade de que a maior parte dos teóricos dessa área desenvolveram suas teses tendo como inspiração experiências emocionais intensamente vividas na infância, especialmente daqueles com enfoque psicanalíticos ou por esta corrente influenciados.


Por exemplo, Alfred Adler, autor da abordagem da psicologia individual, afirmava que o sentimento de inferioridade é a fonte de toda luta humana que resulta numa motivação de compensação para supera-lo e lutar por níveis mais altos de desenvolvimento. A infância de Adler foi marcada por sofrer de raquitismo, o que o impedia de brincar com outras crianças, chegando também a quase morrer de pneumonia, tendo ouvido a época que era um caso perdido, o que o motivou a se tornar um médico.


Para Karen Horney, a ansiedade básica, que ela caracteriza como um sentimento crescente e penetrante de se estar só e desamparado em um mundo hostil, seria o alicerce das neuroses, de modo que o indivíduo luta desde sua infância por segurança e por se libertar desse medo. A história de Horney registra que quando ela nasceu seu pai tinha 50 anos e era marinheiro, passando a maior parte do tempo em alto mar, mas quando voltava eram constantes as brigas com sua mãe, fazendo com que Horney acreditasse que não era desejada pelos pais, além de sentir inveja de seu irmão mais velho.


Erik Erikson nasceu na Alemanha, sua mãe era dinamarquesa, mas de família judia, cujo marido desapareceu horas após o casamento, ficou grávida de outro homem, cujo nome nunca revelou, e se casou em seguida com seu pediatra. Em sua própria confusão de crise de identidade ao longo da vida, Erikson desenvolveu sua teoria da personalidade na qual a procura da identidade desempenha o papel principal.


O próprio Sigmund Freud desenvolveu parte de sua teoria de forma autobiográfica, fundamentando alguns dos seus principais conceitos nas próprias experiências de criança.


Por conseguinte, com fulcro na teoria da personalidade de Freud se apresenta alguma resposta à pergunta anteriormente lançada.


Freud afirmava que a personalidade era estruturada em três níveis: id, ego e superego: o id seria a estrutura primária, o aspecto da personalidade associada aos instintos, operando segundo o princípio do prazer e da evitação da dor; o ego, a próxima estrutura, compreenderia o aspecto racional, orientando e controlando os instintos de acordo com o princípio da realidade, daquilo que é possível faticamente; e o superego, por fim, que é o nível da personalidade responsável pelo aspecto moral, vale dizer, a introjeção na personalidade dos valores e padrões da família e sociedade.


Nesse sentido, o ego, aspecto racional, seria o mediador entre os interesses conflitantes do id (instintivos) e do superego (morais), sendo ainda pressionado pela própria realidade. O resultado do desequilíbrio, ou melhor, do excesso de pressão desses elementos sobre o ego levaria ao surgimento do sentimento de ansiedade.


Daí que, uma emoção (aqui entendida no aspecto instintivo, motivador a alguma direção) quando reprimida, negada, ignorada, resultaria em efeitos colaterais, sendo uma delas a ansiedade (para Freud um temor sem motivo aparente).


Como forma de combater ou evitar a ansiedade o ego se utilizaria de mecanismos de defesas envolvendo negações ou distorções da realidade, a exemplo de projeção (atribuir uma emoção perturbadora a outra pessoa), racionalização (reinterpretação da emoção para torná-la mais aceitável), deslocamento (transferir a emoção de um objeto ameaçador ou indisponível para um outro disponível), etc.


Como se vê, uma emoção não entendida, não aceita, não expressa, além de resultar em estado de ansiedade, pode implicar em consequências aversivas para si ou para outros, como no caso do deslocamento, quando um sentimento de hostilidade em relação a um professor pode ser transferido para um colega.


A propósito, uma das técnicas de tratamento de Freud cuida exatamente da expressão das emoções com o fim de reduzir os sintomas perturbadores, chamada de catarse, ou conhecido por alguns como a cura pela fala.


No cotidiano, tal expressão de emoções poderia ser feita com amigos, pais, companheiros, líderes religiosos. Mas a individualidade e superficialidade das relações acabam não gerando relações de confiança, necessária para uma expressão verbal sem medo de julgamentos. Como alternativa resta a busca por consultórios psicológicos, especialmente em estágios que o acumulo de emoções reprimidas resulta em estado de graves transtornos emocionais, quando não fazendo o sujeito ter que se submeter ao uso de medicações para combater de imediato alguns efeitos, vivendo alguns sob esta dependência.


Ainda que não se adote a teoria psicanalítica de Freud, em especial, em relação ao inconsciente (que na falta de instrumentos técnicos à época, era explorado com base nas inferências extraídas de conversas com o paciente), o novo conceito de inconsciente, fundamentado em novos estudos, técnicas e medições, mostra-se de igual modo a importância das emoções no desenvolvimento da personalidade.


Diz Leonard Mlodinow que “o comportamento humano é produto de um interminável fluxo de percepções, sentimentos e pensamentos, tanto no plano consciente quanto no inconsciente”[4].


Essa emoção que fica guardada na inconsciência estará dirigindo o comportamento do indivíduo de forma prejudicial, ou simplesmente faz com que ele perca oportunidades na vida, por não distinguir nem viver o que realmente se quer nesse interminável fluxo de sentimentos e pensamentos a que se refere Mlodinow.


Às vezes, a emoção é nosso único sinalizador para entender o ambiente quando a consciência não entende a realidade, fazendo apenas projeções em cima do que olho físico vê, e com base em nossa história e imaginação. Por exemplo, quando acabamos de conhecer alguém o que vemos na pessoa? Um novo amigo, um inimigo, um companheiro, o amor da vida, ninguém importante?


Tudo o que fazemos são projeções, mas o sentimento acaba sendo um sinalizador, uma bússola, pelo fato do que se chama de moderno inconsciente ter a capacidade de captar e processar muito mais rapidamente as informações do ambiente do que o consciente, sendo esse mais um fator da importância da emoção.


Por fim, não se pode deixar de mencionar a somatização das emoções, vale dizer, quando doenças físicas como gastrite e até câncer resulta da resposta do corpo a transtornos emocionais não resolvidos.


Existem pães feitos em diversos formatos, sabores, recheios, textura, preparado das mais diversas maneiras, com forma de armazenagem e degustação diferentes; mas todos com um prazo de validade.


As emoções, do mesmo modo, em suas diversas formas de manifestação, com suas diversas funções e origens, também têm que ser consumidas no tempo certo, e, por conseguinte, renovadas. É amar mais, alegrar-se, mas também se entristecer quando necessário, ter medo, raiva, repugnância. Expressar o que é ser humano. Se libertar do cárcere da emoção. Afinal, não somos de Vulcano.


Referência Bibliográfica.

[1] REEVE, Jonhmarshall. Motivação e Emoção. Rio de Janeiro: LTC, 2011. p. 324.

[2] Idem. p. 327

[3] No Brasil traduzido como “Divertidamente”.

[4] MLODINOW, Leonard. Subliminar: como o inconsciente influencia nossas vidas. ed.: Zahar. p. 18.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

MLODINOW, Leonard. Subliminar: como o inconsciente influencia nossas vidas. ed.: Zahar.

REEVE, Jonhmarshall. Motivação e Emoção. Rio de Janeiro: LTC, 2011.

SCHULTZ, Duane P. Teorias da Personalidade. São Paulo: Cengage Learning, 2015.

Universidade de Brasília

Disciplina: Psicologia da Personalidade Turma: A

Professora: Elisa Walleska Krüger Costa

Aluno: Neidsonei Pereira de Oliveira Matrícula: 15/0143109

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