Análise do filme "Cartas ao Padre Jacob" com base na Teoria de Carl Rogers
Universidade de Brasília - UnB
Instituto de Psicologia - IP
Departamento de Psicologia Clínica - PCL
Disciplina: Psicologia da Personalidade 1 - 124036
Aluna: Andréia Rodrigues Braga Gentil – Mat: 15/0030525
Profª: Elisa Walleska Krüger Alves da Costa
Introdução e apresentação do Humanismo – Carl Rogers
O Humanismo surgiu, entre as décadas de 1960 e 1970, como uma alternativa e ao mesmo tempo uma crítica à psicanálise e ao comportamentalismo, visto que ambas as teorias supervalorizavam as neuroses e psicoses como fontes de aprendizado acerca das emoções humanas e desconsideravam os elementos que caracterizam a natureza humana de modo positivo, como forças e virtudes.
Essa abordagem propôs investigar “a força e a aspiração humanas, o livre-arbítrio consciente e a realização do nosso potencial;” (SCHULTZ & SCHULTZ, pag. 287). Como também trouxe uma nova visão a respeito das pessoas: seres otimistas, criativos, que buscam crescimento e desenvolvimento pessoal e a auto-realização.
Dentro da abordagem Humanista, a teoria escolhida para embasar este trabalho foi a desenvolvida por Carl Rogers, a qual considerava a terapia centrada no cliente ou na pessoa, ou seja, a capacidade ou dom de alterar a personalidade de uma pessoa está centrada em seu interior e somente essa pode efetuar a mudança. Portanto, cabe ao terapeuta assessorar ou mesmo observar esse processo.
Ainda segundo Rogers, somos seres conscientes e racionais, assim sendo, as forças inconscientes ou as experiências do passado, mesmo a infância – que pode condicionar a forma como vemos o mundo - não controlam as nossas ações presentes, mas percebemos a realidade a partir de nossas experiências subjetivas. Contudo, essa percepção pode não coincidir com a realidade objetiva.
Vale destacar que Rogers propôs ainda que devemos nos desenvolver biológica e psicologicamente a fim de nos tornarmos o “melhor ser de nós mesmos” ou a nossa plenitude pessoal. Essa transformação é possível pela melhoria do self.
A partir dos conceitos expostos acima, de modo sucinto, acerca da Teoria de Carl Rogers, os personagens principais do filme finlandês “Cartas ao Padre Jacob” serão tomados como elementos de análise, a qual ocorrerá na parte seguinte.
Desenvolvimento crítico
O filme “Cartas ao Padre Jacob” compõe-se de apenas quatro personagens (diretor da prisão, a ex-presidiária Leila, o Padre Jacob e o carteiro), porém a maior parte do enredo envolve dois deles (Leila e Jacob). A história começa ainda no presídio quando o diretor informa à Leila que um indulto lhe foi concedido, como também lhe avisa que um padre precisa que uma das ex-presidiárias lhe sirva como assistente pessoal. Como ela não tinha um lugar para ir, aceita essa oportunidade – a única que possui no momento.
A ex-presidiária Leila ao chegar à casa do padre Jacob já avisa que não ficará por muito tempo. Aparentemente, é uma mulher rude, lacônica e impaciente. Não faz a menor questão em ser simpática com o Jacob, que é um homem já idoso, de saúde frágil e cego, porém, opostamente a ela, é amável e alegre. Ele lhe explica como irá ajudá-lo: lendo as cartas que recebe com pedidos de oração dos mais variados tipos, precisa desse auxílio pois, como é cego, não pode fazê-lo. Uma cena marcante é a da recepção feita pelo padre à Leila, ele prepara um lanche para os dois e, como a mesa da sala é bem comprida, colocou os utensílios e os alimentos em lugares bem próximos, a fim de demonstrar que a recebe como uma companhia agradável e deseja proximidade. Porém, ela pega o seu prato e sua xícara e se senta do lado oposto da mesa como uma forma de conservar e também delimitar a distância da relação entre eles.
A partir de elementos da Teoria de Carl Rogers é possível perceber que as experiências subjetivas da personagem Leila moldaram a sua personalidade. Até antes do indulto, foi no presídio onde se deu uma grande parte de suas vivencias, algumas delas também contribuíram para que ela se “desumanizasse”. O ambiente ao qual fora “acostumada” tornaram-na indiferente ao outro e defender o “seu espaço” não era apenas uma atitude egoísta, mas de sobrevivência. Ao sair, carrega consigo toda percepção desse lugar e a consciência que construiu sobre si das experiências da prisão, conforme previsto nos conceitos de Rogers acerca da fenomenologia e do autoconceito.
Já o padre Jacob pode ser visto como “resultado desejado do desenvolvimento psicológico e da evolução social” (SCHULTZ & SCHULTZ, pag. 322), ou seja, segundo Rogers, aquilo que devemos buscar: a pessoa em pleno funcionamento. Ele possui “consciência de todas as experiências, ausência de condições contra as quais se defender, capacidade de viver integralmente cada momento, confiança no próprio self, um senso de liberdade e de poder pessoal, criatividade e espontaneidade” (SCHULTZ & SCHULTZ, pag. 332). Em nenhum instante ele a destrata por ter sido presa, mesmo com toda a indiferença e rispidez com que Leila o trata.
O prazer da vida do padre está em receber as cartas e orar pelos pedidos, Leila acha isso enfadonho e desnecessário. Até que em uma delas, ele recebe dinheiro e uma carta explicando a sua origem, era o ressarcimento de uma mulher que, graças ao dinheiro enviado pelo padre, pode sair de um relacionamento violento e refazer a vida dela. Ele a ajudou com todas as economias que tinha. Nesse momento, Leila começa a ter uma nova visão sobre Jacob, mais amistosa. Essas cartas com pedidos de oração para o padre Jacob podem ser associadas, de modo minimalista, a parte da terapia centrada na pessoa de Rogers, pois a partir dos pedidos de oração das pessoas são apresentadas as experiências delas e aquilo que as afeta, o padre não realiza um julgamento dos pedidos se são bons ou ruins, ora por todos igualmente, assim como a abordagem de Rogers não possuía uma estrutura pré-determinada e procurava não encaixar o problema do paciente, principal crítica do autor à teoria psicanalítica. A atitude do padre também afeta indiretamente Leila, a seguir veremos como isso é demonstrado.
Porém, de modo misterioso, as cartas param de chegar. Devido a isso, o padre começa a adoecer porque aquilo em que ele aplica a sua razão de viver desaparece. Leila nem consegue acreditar que seu desejo de se ver livre das cartas se tornou realidade, podia enfim deixar aquele lugar e o padre, mas não é isso que acontece. Ela passa a se importar com Jacob, a ponto de pedir ao carteiro que finja estar entregando novas cartas para ele, a fim de que possa voltar a se alegrar e melhorar.
O combinado é feito e o inesperado acontece, Leila lê uma “carta” muito importante:
Ela conta então a história de um bebê que apanhava violentamente da mãe, e que era protegido – sempre que possível – por sua irmã mais velha. Mais tarde, a criança torna-se uma menina grande e forte, mas ainda assim vulnerável e sua irmã – mesmo sendo metade do seu tamanho – continuava protegendo-a. Quando a mais velha se casou os papeis se trocaram, seu marido batia nela brutalmente. Aquela irmã – que antes tinha sido protegida por sua irmã mais velha – não consegue lidar bem com a violência a que se submete a sua irmã, e em um ato fúria incontrolada ela entra em casa e mata o marido de sua irmã (ALENCAR, 2015).
Essa é a sua própria história.
Nessa passagem, com base em Rogers, vê-se quanto Leila teve a construção de seu self. (autoconhecimento e autodiscernimento) prejudicados por essa relação conturbada com sua mãe. Além disso, Leila foi frustrada por não ter recebido consideração positiva, que consiste em aceitação, amor e aprovação por parte dela em sua infância. Como as suas experiências iniciais foram incongruentes e incompatíveis, o seu autoconceito ficou debilitado, bem como sua adaptação psicológica e saúde emocional. Quando viu, na vida adulta, uma “repetição” do padrão de violência empregado contra a sua irmã na infância, mas agora por uma outra pessoa, não conseguiu controlar os impulsos emocionais e agiu para solucionar o “problema”. Naquele instante, houve um colapso quanto a sua percepção de realidade, visto que no presente (realidade objetiva), ela estava defronte a uma situação do passado (experiência subjetiva), a qual condicionou o passo seguinte: assassinato do marido da irmã.
Porém, na convivência com Jacob, Leila não só pôde ter exemplos de cuidado por parte com outras pessoas, que se davam pelas orações, como também teve novas experiências no presente consigo, as quais alteraram a sua percepção da realidade e, como apresentado por Rogers, o novo ambiente permitiu a criação de um self tornando-a mais altruísta.
Nesta cena, voltando ao enredo do filme, há uma grande surpresa: antes é preciso ser feita uma observação - em uma das passagens, Jacob explica para Leila que algumas pessoas escrevem com frequência e pedem a mesma coisa, pois creem que um dia serão atendidas – O padre se levanta, vai até o seu quarto e volta com algumas cartas envoltas em uma fita vermelha e as entrega para Leila. Quando ela olha o nome no envelope, começa a chorar – era o nome de sua irmã. Ela começa a ler uma delas e tem uma bela revelação: sua irmã conta que escreveu várias vezes para ela, mas todas as cartas que enviou ao presídio sequer foram abertas. Que sentia muita falta dela, pois era tudo o que tinha no mundo e desejava muito que ela estivesse bem. Neste instante, o padre Jacob falece e como última assistência a ele, Leila cuida dos preparativos para o enterro. No final, ela decide partir em busca da irmã.
Conclusão
A análise do filme “Cartas ao Padre Jacob” com base na teoria de Carl Rogers buscou apresentar alguns elementos de sua abordagem e, principalmente, os elementos da terapia centrada na pessoa, que aparece em dois momentos do enredo (pessoas das cartas – padre Jacob e Leila – Jacob). Essa técnica é adequada para classificar as relações desse filme, visto que Rogers a utilizou a fim de sondar os sentimentos e as atitudes da pessoa/cliente quanto ao self e às demais pessoas.
Ao mudar o foco de análise da personalidade (deixar de ter o foco no passado influenciando o comportamento presente da pessoa) e propor um modelo, em parte, mais intuitivo de terapia e contrário ao praticado na psicanálise freudiana, Rogers agregou à Psicologia novos elementos até então desconsiderados. Passou a enfatizar a importância da experiência subjetiva e, além disso, o cliente passou a ser visto como o agente modificador de sua personalidade.
Porém, ressalte-se que essa teoria isoladamente não é suficiente para explicar de modo abrangente a personalidade de pessoas em situação penal, como a da personagem Leila. A Teoria de Carl Rogers ajuda a elencar possíveis fatores que podem ter influenciado a construção da percepção pessoal e emocional de uma pessoa e a motivado a cometer um crime, mas não consegue determinar mecanismos de tratamento eficiente desses casos.
A terapia de Rogers pode ser de grande valia para os próprios psicólogos, pois por ser uma teoria de aplicação rápida, pode ser aplicada a fim de promover o desenvolvimento do autoconhecimento dos profissionais e melhoria da autoimagem.
Bibliografia
- SCHULTZ, D. P. & SCHULTZ, S. E. (2002). Teorias de Personalidade. São Paulo: Pioneira Thomson Learning.
-ALENCAR, A. Correspondência Insólita, 2015. Disponível em: http://www.revistadehistoria.com.br/secao/cine-historia/correspondencia-insolita. Acesso em: 03 de novembro de 2015.
- MESSIAS, João Carlos Caselli; CURY, Vera Engler. Psicoterapia centrada na pessoa e o impacto do conceito de experienciação.Psicol. Reflex. Crit., Porto Alegre , v. 19, n. 3, p. 355-361, 2006 . Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-79722006000300003&lng=en&nrm=iso. Acesso em : 05 Nov. 2015.