Comentários acerca da relação mãe e filho no filme Precisamos falar sobre Kevin, e sobre o possível
Universidade de Brasília
Disciplina: Psicologia da Personalidade Turma: E
Professora: Elisa Walleska Krüger Costa
Aluno: André Castanheira Oddone Matrícula: 14/0130063
Precisamos falar sobre Kevin é um livro de Lionel Shriver, que foi adaptado para o cinema no filme com o mesmo título, dirigido por Lynne Ramsay. O livro conta a história de Kevin, com foco na relação dele com a sua família, principalmente com a sua mãe. Kevin se mostra problemático durante todo o enredo, o que culmina em um massacre feito por ele em sua escola, onde ele mata onze pessoas, após matar seu pai e sua irmã. Em seguida, o filme mostra o sofrimento de sua mãe Eva, ao se ver sozinha e estigmatizada como responsável por ter deixado o seu filho menor de idade cometer esse crime.
Eva, a mãe de Kevin, era uma mulher aventureira, escritora, que viajava muito e que amava a vida a dois com o seu marido. Por insistência do marido, Eva engravida e decide ter o bebê. Durante toda a gravidez, Eva estava receosa quanto ao fato de que seria mãe. Ficava nítida a sua indisposição em carregar um feto que ela desde o primeiro momento não desejou. Ela passa a sua gestação inteira temendo a gravidez e, consequentemente, o nascimento de Kevin. Com a gravidez ela teme que sua vida social, sexual, profissional, sejam afetadas. Não se sente confortável com seu corpo, e isso fica claro quando ela tem vergonha de mostrar a sua barriga, mesmo diante de outras grávidas. Na cena do parto, Eva exibe extrema dor ao rejeitar com toda sua força às suas contrações, como se tentasse evitar que a criança nascesse. Logo após o término do parto, é o pai que acalenta o recém nascido, e não sua genitora. Isso mostra que não é criado um vínculo entre a mãe e filho. De acordo com Winnicott, a mãe participa ativamente do desenvolvimento do bebê, lhe dando amor ela faz com o que o bebê tenha energia para amadurecer e crescer. Winnicott cria o termo “mãe suficientemente boa”, que seria quando a mãe permite o bebê enxergar o mundo de uma forma onipotente, como se o mundo fosse produto dele e não ao contrário, criando um sentimento de segurança no bebê. A mãe é o instrumento que vai permitir o acesso do bebê ao mundo exterior de uma forma segura. Sendo assim, Kevin se sente sozinho no mundo, e só acha conforto nos braços do pai, haja vista que Eva não consegue confortá-lo em seus braços. Com isso, ela se sente frustrada como mãe, por não conseguir acalmar seu filho durante suas incessáveis crises de choro.
Na trajetória da maternidade de Eva, ela se vê como uma péssima mãe, não sabendo distinguir se a culpa é dela, ou se é desse filho que desde o começo foi indesejado. Durante o filme todo, não há uma cena dela amamentando Kevin. Melanie Klein fala que o primeiro objeto de desejo do bebê é o seio, e que por meio dele é que o bebê se relaciona com a mãe. A amamentação se torna o vínculo físico-emocional mais forte que existe entre mãe e bebê. Klein disse que há o seio bom e o seio mau, e que é essa dicotomia que vai influenciar no comportamento do bebê. O seio bom poderia gerar uma posição de amor por parte do bebê, enquanto o seio mau poderia gerar uma posição de raiva e/ou de esquizoparanóide. O bebê sente amor pelo seio bom e consequentemente pela mãe, que lhe proporciona aquele prazer. Mas sente raiva quando não pode ter o seio, e se torna esquizoparanóide pelo medo de perdê-lo. Assim sendo, a ausência do seio é um sofrimento enorme para o bebê que vê nele a sua única fonte de alimentação e de prazer. Isso e a falta de habilidade de Eva em lidar com seu filho poderia explicar as constantes crises de choro da criança, que afligiam tanto Eva a ponto dela preferir o som de uma britadeira aos berros de seu filho.
À medida que Kevin vai crescendo, Eva vai tentando (talvez de uma forma um pouco medíocre) melhorar em sua função de mãe. Há uma cena em que ela tenta brincar com o filho que aparenta ter seis anos, mas Kevin com um jeito introspectivo, só observa a mãe e não responde às suas brincadeiras e chamados, até que ela começa a se zangar, e só assim Kevin responde à sua brincadeira. Esse fato nos dá uma noção da relação que começa a se construir entre os dois, um filho introvertido que só responde à mãe quando ela age de forma negativa com ele, fazendo com que os dois só se relacionem mediante sentimentos de ódio e vingança um pelo outro. Ódio e vingança porque Eva explicita para Kevin em uma cena que ela era feliz antes dele nascer, e que agora acorda toda manhã desejando estar na França, vide a vida que ela tinha antes da maternidade, onde viajava o mundo e escrevia sobre suas viagens.
Franklin, o pai, propõe para Eva que eles se mudem para uma casa onde teriam mais espaço para morar e assim beneficiaria Kevin, que teria mais espaço para brincar. Mas Eva se opõe, e enquanto eles têm essa conversa, Kevin balbucia debochadamente como um bebê, até que ela se irrita e lhe bate na mão. Assim fica parecendo que os únicos tipos de contato verdadeiros que ela tem com ele são ministrados por sentimentos negativos, já que esses tipos de contato superam os abraços, beijos e carinhos que ocorrem entre os dois durante todo o filme. Uma cena peculiar é quando os dois acabam de chegar à nova casa, que de tão grande chega a ser desproporcional aos seus três novos habitantes. Os dois se sentam no chão da enorme sala, ainda sem móveis, um de costas para o outro, olhando a sua nova casa e imaginando o que essa mudança trará para essa relação conturbada. Então os dois viram a cabeça ao mesmo tempo, e se olham aparentemente de maneira despretensiosa. Mas o olhar de cada um passa uma mensagem diferente. O olhar de Kevin reflete a carência enorme por um carinho sincero da mãe, enquanto ele tenta esboçar a raiva que sente por não ter a atenção que desejava dela, porém deixa transparecer profunda tristeza pela distância que existe entre os dois. Eva o olha e quase ignora o seu olhar, como se quisesse abdicar da sua função de mãe, mostrando desprezo pelo filho que para ela sintetiza todas as suas infelicidades. Essa cena resume como a relação dos dois foi sendo construída até o momento, e nos dá uma noção do que esperar nas cenas que virão.
Eva em um momento começa a decorar o escritório de sua casa com os mapas e fotos das viagens que fez, como se não quisesse deixar o seu passado morrer com a sua nova vida de mãe. Kevin aparece e debocha de sua decoração, falando que é idiotice. O telefone toca em outro cômodo e Eva passa por Kevin para atendê-lo, e faz questão de desviar de um possível contato físico com o filho, que estava escorado na entrada do escritório. Esse ato mostra tamanha a rejeição que ela tem pelo filho. Quando volta do telefonema, encontra o filho jogando tinta por cima de toda a decoração que acabara de fazer, olha para o ele, que exibia um olhar desafiador, em um impulso de raiva pega o instrumento que o filho usou para jogar a tinta, e quebra ele o máximo que consegue. Portanto vemos que ela só dá atenção a ele, e ele só move ela de maneira efetiva, quando a deixa com raiva. Assim como em outra cena, que ela está tentando ensinar o filho a contar, e o filho mesmo sabendo as repostas de suas perguntas, deixa claro para ela que estava respondendo errado de propósito, a fim de irritá-la. Vendo a tentativa frustrada da mãe de ensiná-lo, ele evacua em sua fralda para forçá-la a limpá-lo, provocando-a mais. Após ela acabar de trocar as suas fraldas, ele evacua novamente logo em seguida de propósito, o que fez com que ela se zangasse tanto a ponto de jogá-lo contra a parede, quebrando seu braço. A punição pode produzir inúmeros efeitos negativos em uma criança, um deles é o comportamento antissocial. As crianças que sofreram constantes agressões podem apresentar comportamento agressivo, são inseguras e desconfiadas, características que parecem definir a conduta de Kevin (SOUZA e REIS). Umas das fazes do desenvolvimento que Freud descreveu é a fase anal, onde a criança aprende a controlar o seu esfíncter, decidindo sobre a excreção ou retenção de suas fezes. Como Kevin usou fraldas até uma idade avançada, fica clara a sua fixação nessa fase. O controle adquirido na fase anal diz respeito à retenção e expulsão, tanto física quanto psicológica. A pessoa com transtorno antissocial é expulsiva, ou seja, prefere expulsar do que reter as suas fezes. Isso explicaria o porquê Kevin usou fraldas por tantos anos, para ter a liberdade de expulsar as suas fezes quando quisesse. Depois de irem ao hospital para tratar do braço de Kevin, ele e Eva chegam em casa, e ele mente para o seu pai falando que quebrou o braço em um acidente aleatório, tirando a responsabilidade da mãe no incidente, com o objetivo de manipulá-la, ameaçando contar a verdade para o pai toda vez que ela não fizer o que ele quer. A manipulação é um dos aspectos centrais do transtorno de personalidade antissocial.
Em uma cena, Kevin descobre que a mãe está grávida, o que surpreende pelo fato dele descobrir a gravidez antes mesmo do pai. Isso pode demonstrar ou um olhar extremamente detalhado e atento que ele tem com a sua mãe, percebendo que ela está diferente mesmo estando nas primeiras semanas de gestação, ou uma conexão tão forte e íntima entre os dois que ele pode sentir pelo jeito da mãe que ela carrega um bebê dentro dela, mesmo sem deixar transparecer. Quando sua irmã nasce, Kevin demonstra desde o primeiro momento ser contrário a essa nova mudança na estrutura da família, por sentir que a pouca atenção que recebia da mãe pudesse diminuir ainda mais. Há em seguida uma cena em que a mãe demonstra carinho por ele, enquanto lê uma história para fazê-lo dormir, o que quebra com a sucessão de brigas e desentendimentos entre os dois, mostrando que há momentos de boa convivência entre eles, embora sejam raros.
Quando Kevin cresce, ele se mostra mais manipulador e misterioso, sempre com um sorriso irônico. Uma vez sua mãe, andando na frente de uma livraria, acha que o vê observando o cartaz do seu livro que estava estampado na vitrine, como se ele estivesse analisando o glamour das histórias que Eva viveu antes de tê-lo. Eva o convida para sair um dia sozinho com ela, para passarem um tempo juntos. Durante a saída ele constantemente a enfrenta, tentando sempre irritá-la ou chateá-la. Quando ela tenta puxar assunto, ele rebate as perguntas mostrando o quanto a relação deles é fraca e vazia, deixando claro para ela que ele não se mobiliza com as tentativas falhas que Eva faz para tentar resgatar a amizade e companheirismo do filho, mostrando que já é tarde para criar um laço sincero de mãe e filho.
Após Kevin ser preso, Eva visita o filho toda semana, como se estivesse pedindo perdão a ele por nunca ter sido a mãe que ele precisava, mesmo os encontros sendo vazios e mudos, havendo raras conversas entre os dois. Até que, depois de dois anos visitando o filho, no dia do seu aniversário de 18 anos, Eva pergunta qual foi o motivo por trás do crime, e Kevin responde: “Eu achava que sabia, agora não tenho certeza”. E eles finalizam a visita com o abraço mais sincero que houve durante todo o filme, mostrando que, enfim, eles tiveram a redenção que esperavam um do outro.
Referências
SOUZA, C. M.; REIS, M. Os efeitos da punição sobre o comportamento de crianças e adolescentes. Revista de Psicologia.
http://escritasdapsique.blogspot.com.br/2011/05/teoria-psicanalitica-de-freud.html?m=1
https://psicologado.com/abordagens/psicanalise/introducao-a-teoria-de-winnicott
http://aessenciaeoser.net/o-caracter-psicopata-parte-i/
http://www.psiqweb.med.br/site/DefaultLimpo.aspx?area=ES/VerClassificacoes&idZClassificacoes=50
https://psicosaber.wordpress.com/2010/04/19/a-construcao-subjetiva-infantil-segundo-melanie-klein/