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George Kelly e o Cientificismo: um outro ponto de vista?

Universidade de Brasília

Disciplina: Psicologia da Personalidade Turma: B

Professora: Elisa Walleska Krüger Costa

Aluno: Eduardo da Cruz Perez Junior Matrícula: 13/0108146

A teoria da personalidade do constructo pessoal de George Kelly difere de muitas teorias psicológicas no fato de que não trata do inconsciente, entretanto, atribui a cada ser humano uma identidade única e, de certa forma, compreende que cada pessoa pode mudar sua forma de ver o mundo – e assim, ‘curar-se’ de seus próprios males.

Essa teoria de baseia na ideia de que os indivíduos formulam um conjunto de constructos cognitivos sobre o ambiente. Esses constructos funcionam como lentes coloridas de um par de óculos de sol. Enquanto que uma pessoa pode ver algo com lentes verdes, outra pode ver o mesmo objeto com lentes azuis. Dessa forma, cada pessoa percebe o objeto de uma forma: azulado ou esverdeado.

Essas diferenças pessoais significam que cada indivíduo tem sua própria maneira de observar o mundo, a qual não é objetiva, mas sim intermediada pelos ideais e aprendizados pessoais de cada um.

Apesar de utilizar da palavra “cognitivo” quando trata de seus constructos, é interessante frisar que a teoria de Kelly pouco tem a ver com as teorias cognitivas estudadas atualmente. Os psicólogos cognitivos estudam processos cognitivos em geral, geralmente em laboratório, incluindo processos como memória e aprendizagem. Kelly formulou sua teoria com um objetivo de aplicação clínica, com base na sua própria experiência como psicólogo clínico. Esta tem como base a ideia de entender como as pessoas, através de constructos conscientes, organizam sua própria vida (Schultz & Schultz, 2013).

Na prática, se utilizava principalmente da técnica de entrevista. Ele adotava o que chamava de “atitude de credulidade”, em que aceitava as palavras do cliente, vendo isso como o melhor método para compreende r a forma como este observava o mundo – isto é, seus constructos pessoais.

A teoria de Kelly foi formulada enquanto este trabalhava com estudantes de escola pública e de faculdade. Por isso, é importante notar que sua teoria difere daquelas que tratam de casos psicóticos ou com transtornos emocionais graves. Seus pacientes eram perfeitamente capazes de transmitir a ele suas ideias e problemas de forma racional. Essa é, talvez, a maior limitação de sua teoria, que deixa de fora pacientes que possuam dificuldades cognitivas ou emocionais muito fortes, ou que tenham dificuldade, por algum motivo, em transmitir com clareza ou honestidade os seus problemas.

Entretanto, Kelly, ao limitar sua teoria a um grupo específico de pessoas, faz um adendo interessante. Ele diz que as pessoas, ao construírem seus constructos, são similares a cientistas. Isto é, as pessoas formulam teorias de como as coisas funcionam, tentando prever o que irá ocorrer (para melhor se prepararem ou agirem), testam tais teorias e, de acordo com o resultado, mantém aquele constructo para ser usado como padrão no futuro. Tal procedimento não seria, para Kelly, muito diferente do próprio método científico.

Essa observação, ainda que não propositalmente, talvez coloque um ponto de vista totalmente diferente a uma discussão comum na contemporaneidade: a discussão a respeito do cientificismo e seus efeitos tanto na sociedade, quanto nas pessoas, individualmente.

Cientificismo é, enquanto problema, a afirmação da superioridade da ciência e do método científico em relação a toda outra forma de construção de conhecimento, como a arte e a filosofia. Como ideologia, está geralmente relacionado a um certo desprezo em relação a conhecimentos gerados por outros meios. A amplitude desse senso de superioridade chega ao ponto em que mesmo conhecimentos gerados através do método científico, mas cujo material de estudo seja considerado “subjetivo demais” (como pesquisas em psicologia e sociologia que utilizem desse método) são, por vezes, considerados inferiores.

A filosofia e a ciência podem ser vistas como ferramentas geradas da curiosidade humana. Entretanto, desde o crescimento da ciência, a filosofia tem sido vista cada vez mais como um conhecimento incerto, inespecífico e enviesado, enquanto que a ciência tem sido vista cada vez mais como um conhecimento certo, específico e confiável. Isto é, a filosofia traz questões interessantes, mas inúteis, enquanto a ciência seria responsável por trazer a verdade. Tal concepção vai contra as próprias bases da ciência, a qual é pensada em cima da ideia da construção de um conhecimento temporário, que será eventualmente substituído por um conhecimento melhor.

Enquanto que a ciência e o método científico sejam ambos extremamente importantes para a construção de soluções para problemas específicos – assim como o método científico é, de fato, um esforço importante para encontrar soluções confiáveis e verificáveis, o crescente culto à ciência como um tipo de ideologia, mais do que um tipo específico de método, é preocupante. Cresce assim a ideia de eficiência objetiva em todas as áreas da vida humana contemporânea, como na política e nas relações.

Por exemplo, na política, perde-se aos poucos a ideia de votar naquele que condiz melhor ideologicamente com valores filosóficos importantes. Uma grande parcela da população prefere votar naqueles que passam a imagem de bons administradores; o que importa, então, não é a sabedoria, o conhecimento ou o ‘caráter’ do sujeito, mas sim o método, o procedimento, a eficiência objetiva do mesmo (Crochíc, Massola & Svartman, 2015).

Para os opositores do cientificismo, a ciência em si não é maligna para a sociedade, tampouco é desimportante para os avanços necessários em diversas áreas. Entretanto, o cientificismo, enquanto ideologia dominante, traz a ideia de superioridade daqueles que possuem acesso ao conhecimento científico, mantendo assim as relações de poder e dominação e dando à classe operária uma tendência a sensação de inferioridade (Crochíc et al., 2015).

Entretanto, ao adicionar as ideias de Kelly à essa discussão, temos um ponto de vista diferente. Se o método científico (aqui em uma concepção mais ampla) é aplicado de certa forma em todas as esferas da vida, isto é, se as pessoas, sem qualquer treinamento, possuem já a tendência de criar e testar suas próprias teorias sobre o mundo, há de fato essa separação tão discriminada entre a ciência, a filosofia e os próprios conhecimentos e sabedorias pessoais?

Obviamente, o método científico utilizado na Academia é feito para ser mais polido e livre de um número de vieses. Entretanto, será o ser humano um ser intimamente científico? Está atrás de qualquer questionamento, mesmo que moral e subjetivo, um objetivo final aplicável? A própria formulação de conhecimento de qualquer fonte não tem, em si, um objetivo e uma utilidade?

O método científico, como modelo de verificação, talvez seja só um ‘melhoramento’ para fins específicos de algo que já existe em toda construção de conhecimento.

Referências

Crochíc, José Leon, Massola, Gustavo Martineli, & Svartman, Bernardo Parodi. (2015). A ideologia do cientificismo. Psicologia USP, 26(1), 1-3. https://dx.doi.org/10.1590/0103-656420152601

Schultz, D. P., & Schultz, S. E. (2013). Teorias da Personalidade. São Paulo, SP: Pioneira Thomson Learning.


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