Erikson, fases... Ação!
Universidade de Brasília
Disciplina: Psicologia da Personalidade Turma: B
Professora: Elisa Walleska Krüger Costa
Aluno: Juliana Figueiredo de Oliveira Gomes Matrícula: 15/0013884
1. Introdução
Erik Erikson desenvolveu e amadureceu seu pensamento em uma época pós-freudiana em que o estudo da personalidade focava no ego, em detrimento do id. Assim, sua Teoria Psicossocial do Desenvolvimento tem como base o estudo da identidade pessoal e o papel das crises do ego em cada fase da vida, culminando no crescimento individual e adaptação do ego a situações adversas.
Erikson, da mesma forma que Freud e Piaget, dividiu o desenvolvimento do ser humano em fases. Apesar de não dispor de total originalidade, Erikson formulou uma divisão dotada de particularidades. Desprendeu os estágios psicossociais de uma análise predominantemente atrelada a sexualidade e aos instintos primitivos e os estendeu para além da infância, abrangendo o ciclo vital como um todo. O crescimento do indivíduo deve-se a soma das exigências internas do ego e as do meio em que vive, por isso, faz-se necessária também uma pesquisa sociocultural do ambiente determinado. Outro fator diferencial em Erikson é a crença de que a personalidade não é imutável, reproduzindo sempre padrões que se fixam durante a infância; mas sim uma construção contínua, que se reformula a cada conflito, respondendo aos sucessos e fracassos advindos das experiências que, somadas, resultam no caráter de uma pessoa.
A partir dessa perspectiva, minha intenção é fazer uma análise superficial, dado meu breve e sucinto saber a respeito das teorias da psicanálise. Abstenho-me do estudo de casos reais, não possuo a prepotência ou arrogância de achar que teria êxito em tal empreitada. Sendo assim, discorrerei sobre hipóteses teóricas de análise dos perfis de duas personagens do filme “Os Suspeitos” (2012), de Denis Villeneuve na tentativa de mostrar que as experiências e o meio social são fundamentos da personalidade do ser humano.
2. Desenvolvimento
O filme “Os Suspeitos” retrata o desaparecimento das filhas de dois casais de amigos e quais as consequências disso nas relações e atitudes dos adultos. O sumiço das meninas é misterioso, deixando pistas inconclusivas. O suspeito do crime é um jovem que estava dirigindo um trailer próximo a casa. No entanto, não há provas concretas contra ele, fazendo com que a investigação volte a estaca zero. O pai de uma das meninas insiste na culpa do jovem e vai a sua casa, onde uma tia declara que a idade mental dele seria equivalente à de uma criança de dez anos. A trama continua com a busca irrefreável do pai pela filha, por seus próprios meios, chegando a violência e desumanidade e paralelamente, o trabalho do detetive encarregado do caso.
O jovem e a tia são as duas personagens a serem analisadas. Logo no início do filme, nota-se a introspecção dele e sua postura amedrontada perto da suposta tia. Não podemos julgar a personalidade com base em uma ou duas cenas, mas começamos a delinear suas características e a especular sobre os motivos que o tornaram assim. A tia, por sua vez, age com calma calculada e tal forma indiferente que a suspeita a seu respeito não pode ser apagada.
Concomitantemente ao relatar da história principal, em segundo plano mostra-se uma mãe triste e abalada pelo desaparecimento de seu filho, ocorrido há muito tempo, sem resolução, deixando uma ferida aberta. O menino, raptado com cerca de 6 anos, nos é revelado mais tarde como o jovem que dirigia o trailer e cúmplice de sua “tia”.
Esse episódio causou uma interrupção no desenvolvimento da criança em questão, devido a mudanças no meio social em que estava inserida e no modo como era tratada pelos objetos externos, adultos que a cercavam.
A fase da Autonomia x Vergonha e Dúvida tem como um de seus pilares a dosagem de autonomia que os pais dão a criança usando como ferramentas a vergonha e o encorajamento para ensinar as regras sociais. Desse processo, nasce a força básica da vontade, manifesta nas livres escolhas do pequeno indivíduo e estabelecida por meio de situações práticas. Há casos em que essa vontade toma forma de regra a ser cumprida independentemente das circunstâncias, criando no infante a crença de que a punição é o padrão, não uma exceção. Logo, é de extrema relevância o alcance de um equilíbrio da autonomia do ser humano em desenvolvimento.
Em seu artigo a respeito de Erik Erikson, Elaine Rabello e José Silveira Passos explicam de maneira clara e objetiva o que uma falta de equilíbrio pode causar na formação da personalidade da criança
“Se é exigida demais, ela verá que não consegue dar conta e sua auto- estima vai baixar. Se ela é pouco exigida, ela tem a sensação de abandono e de dúvida de suas capacidades. Se a criança é amparada ou protegida demais, ela vai se tornar frágil, insegura e envergonhada. Se ela for pouco amparada, ela se sentirá exigida além de suas capacidades. Vemos, portanto, que os pais têm que dar à criança a sensação de autonomia e, ao mesmo tempo, estar sempre por perto, prontos a auxilia-la nos momentos em que a tarefa estiver além de suas capacidades.
Se a criança se sentir envergonhada demais por não conseguir dar conta de determinada coisa ou se os pais reprimem demais sua autonomia, ela vai entender que todo o problema dela, toda a dúvida e a vergonha vieram de seus pais, adultos, objetos externos. Com isso, começará a ficar tensa na presença deles e de outros adultos, e poderá achar que somente pode se expressar longe deles.”
As disfunções advindas do tratamento diferenciado das crianças trabalhadas anteriormente podem ser notadas na personagem do filme. A postura do jovem de retração perto da adulta que o mantém sob custódia, é um reflexo do seu tratamento de tortura física e mental por tantos anos, elevando sua vergonha ao posto que deveria ser ocupado pela autonomia. E a tensão paira sempre que ele precisa relacionar-se com demais pessoas, em especial mais velhas que ele. Sua conivência com a punição e participação no rapto das crianças mostra que sua “educação” foi distorcida a tal ponto que ele não sabe discernir quando é uma conduta errada ou desumana. Ele mesmo sofreu aquele tipo de tratamento, chegando a crer que se trata de uma conduta comum. Esses momentos que fizeram parte da vida do jovem, tiveram imensa influência na construção de seu caráter, deixando marcas profundas, quase irreversíveis. Além disso, danos nas fases iniciais da vida, acabam por direcionar o desenvolvimento para caminhos imprevisíveis.
A respeito da mulher, que era a guardiã do jovem e no fim prova ser a responsável pelo sumiço das meninas e mandante do perturbado jovem, é fácil enquadrá-la como psicopata ou louca. Contudo, é essencial analisar o quadro todo e como o determinismo pode interferir nas ações de alguém. No final da história, ela revela a razão que a impulsiona a raptar crianças e usar de violência contra elas, matando-as em várias ocasiões: sua própria filha morreu na infância, vítima de câncer. Sua impotência diante do diagnóstico e impossibilidade de salvar a criança, juntamente com a perda da fé em Deus por não operar um milagre que preservasse sua vida, decidiu expressar sua revolta capturando outras crianças e observar a degradação de outros pais, na mesma condição que foi imposta a ela.
Provavelmente, a mulher analisada, teve sua filha entre os 20 e 35 anos, correspondendo a fase jovem-adulta na divisão de Erikson. Momento este de aprofundar os laços com as pessoas que estão ao redor, aumentar a intimidade e criar vínculos sólidos. Entretanto, uma doença causou uma reviravolta no desenvolvimento dessa mulher, causando uma transformação de enormes proporções em sua personalidade. Assim, o amadurecimento dela ruma para o outro extremo: isolamento. Suas relações movem-se e direção a inautenticidade e instabilidade, como veremos anos mais tarde com o jovem. A fase seguinte, propriamente adulta também é deturpada pelos eventos prévios, pois é uma construção cumulativa de experiências que forma a identidade pessoal. A mulher, então, cega pela própria dor que carrega dentro de si, encontra a catarse no sofrimento do outro, pela violência física e mental causada por ela. O egocentrismo, a preocupação por dar cabo a dor excruciante que se agarrou a seu âmago, a leva a agir da forma que age.
As explicações para atos incorretos, que vão de encontro a ética e defesa dos Direitos Humanos não podem ser usadas como justificativas. Elas, na verdade, são propulsoras para o entendimento dos reais motivos por trás das ações e possível acompanhamento psicológico e terapêutico das pessoas afetadas, para que elas controlem plenamente seu corpo, com autonomia e controle próprios.
3. Conclusão
A análise de personagens de um filme pode parecer distante da realidade, até mesmo irreal. Porém, devemos sempre ter em mente que os filmes são uma forma de representação da sociedade por meio da arte da mímese. Acredito que os perfis traçados a partir de personagens fictícios são verossímeis ou iguais aos de pessoas de carne e osso. Além do mais, o palco da vida exige muita atuação da parte de todos, não?
Percebe-se, ao final do dito artigo, que os conflitos do ego que envolvem cada fase da vida do ser humano tratados por Erik Erikson podem levar a lugares obscuros ou simplesmente inesperados. E diferente do que diziam outros pensadores, até mesmo na fase adulta, na qual muitos acreditam haver o amadurecimento total do caráter e dificuldade de mudanças, o autor acredita que a formação da personalidade está em andamento e fatores externos podem alterá-lo significativamente.
Prova-se, portanto, que a psicologia é uma ciência que lê as entrelinhas das relações sociais, os fatos implícitos e às vezes empurrados para o inconsciente que ficam impregnados na essência de cada pessoa, guiando seus passos, de forma velada e involuntária. É preciso domá-los e se tornar o protagonista de sua própria história, não relegado a uma aparição secundária, determinada pelas circunstâncias. Você está pronto? Silêncio, o filme já vai começar!
4. Referências bibliográficas
ERIKSON, E. H. Identidade, Juventude e Crise. Rio de Janeiro: Zahar editores, 1976.
ERIKSON, E. H. Infância e Sociedade. 2a ed. Rio de Janeiro: Zahar editores, 1987.
RABELLO, E.T. e PASSOS, J. S. Erikson e a teoria psicossocial do desenvolvimento. Disponível em <http://www.josesilveira.com> no dia 28 de outubro de 2015.
RABELLO, E. T. Personalidade: estrutura, dinâmica e formação – um recorte eriksoniano. Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro 2001.
SUSPEITOS, Os. Direção de Denis Villeneuve. Estados Unidos, 2013. 153 minutos.
VERÍSSIMO, Ramiro. Desenvolvimento psicossocial (Erik Erikson). Disponível em <http://repositorio-aberto.up.pt/handle/10216/9133> no dia 28 de outubro de 2015.
WALLESKA, Elisa. Aula ministrada em 24 de setembro de 2015, na disciplina Psicologia da Personalidade 1; Universidade de Brasília.