A Sombra de Jung e quem ela matou: um retrato da homofobia como repressão de si mesmo
Universidade de Brasília Disciplina: Psicologia da Personalidade Turma: E Professora: Elisa Walleska Krüger Costa Aluno: Marcela Ribeiro Tosta Matrícula: 12/0017717
INTRODUÇÃO
Homofobia (‘homo’, prefixo de homossexual que significa “igual” e ‘fobia’ do grego Phobos “medo", "aversão irreprimível") é uma atitude de hostilidade para com homossexuais, bissexuais e, em alguns casos, contra transgêneros (transfobia). As definições para o termo ‘homofobia’ referem-se ao desprezo, preconceito, aversão e medo irracional. Embora em primeiro momento a homofobia seja a rejeição irracional ou mesmo o ódio em relação a gays e lésbicas, ela não pode ser reduzida desta forma. Assim como o racismo ou o antissemitismo, ela é uma manifestação irracional que consiste em qualificar o outro como inferior, errado ou anormal. Devido a apresentar uma diferença, um desvio do “normal”, esse outro é posto fora do universo comum dos seres humanos. No centro desse tratamento discriminatório, a homofobia tem um papel importante pois, dado que é uma forma de inferiorização do outro, consequência direta da hierarquização das sexualidades na sociedade, confere aos heterossexuais um status superior e natural. A divisão dos gêneros na sociedade e o desejo sexual (hetero) funcionam mais como um mecanismo de manutenção da ordem social ocidental (patriarcado) do que como um mecanismo de reprodução da espécie propriamente dito. A homofobia então se torna o defensor, o muro que separa as fronteiras sexuais (hetero/homo) e de gênero (masculino/feminino). É por isso que os homossexuais não são mais as únicas vítimas da violência homofóbica, que agora se dirige também a todos os que não aderem à ordem clássica dos gêneros: transexuais, bissexuais, mulheres heterossexuais que têm personalidade forte, homens heterossexuais que manifestam grande sensibilidade.
SOMBRA DE JUNG
O repúdio instantâneo do comportamento homossexual pela sociedade, gera não só um conflito externo (sociedade contra indivíduo) mas também cria um conflito interno no homossexual que, dependendo do caso, da mente do próprio indivíduo e do meio em que ele está inserido, pode gerar consequências catastróficas. Consequências que vão, desde isolamento social e familiar até contra-agresões para com homossexuais (Souza, 2014). Casos de homossexuais latentes praticantes de homofobia não são raros e podem ser muito bem explicados pela teoria do suíço Carl Gustav Jung (1875-1961), psiquiatra e psicoterapeuta que fundou a teoria analítica. Para Jung nosso Inconsciente tem um elemento muito importante, a Sombra, que pode explicar o preconceito e o desprezo guardado para os homossexuais e aqueles que não aderem o tipo de gênero clássico. Para Jung, a Sombra é o centro do Inconsciente Pessoal, o material que foi reprimido da consciência. A Sombra inclui aquelas tendências, desejos, memórias e experiências que são rejeitadas pelo indivíduo como contrárias aos padrões e ideais sociais. Quanto mais forte for nossa Persona (e o Self), e quanto mais nos identificarmos com ela, mais repudiaremos outras partes de nós mesmos. A Sombra representa aquilo que achamos de inferior em nossa personalidade e, também aquilo que negligenciamos e nunca desenvolvemos em nós mesmos. O conteúdo da Sombra causa certa repulsa pois, como seu conteúdo foi retirado violentamente da consciência, ele aparece como antagônico, contrário à perspectiva consciente.
A Sombra é mais perigosa quando não é reconhecida pelo seu portador. Neste caso, o indivíduo tende a projetar suas qualidades indesejáveis em outros ou a deixar-se dominar pela Sombra sem perceber, acabando por atacar o comportamento do outro, ou mesmo a projeção que ele mesmo relacionou com o comportamento do outro.
Uma pesquisa de 1996 na Universidade de Georgia (Adams, Wright & Lohr, 1996), 64 jovens estudantes, todos que se identificaram como heterossexuais e que nunca tiveram relações, desejos nem pensamentos eróticos com outro homem, foram divididos em dois grupos conforme suas respostas para o questionário de Índice de Homofobia (W. W. Hudson & W. A. Ricketts, 1980): o primeiro grupo composto de homofóbicos extremos e o segundo composto por indivíduos que estavam tranquilos quando o assunto era a sexualidade alheia. Cada indivíduo, separadamente, dos dois grupos, foi submetido a algumas cenas de sexo explícito, primeiro a pornografia heterossexual seguida da pornografia lésbica e, por fim, a pornografia gay. Um aparelho colocado em cada participante mostrava o nível de sangue que passava por seu pênis durante os vídeos. Todos os participantes demostraram excitação sexual durante os vídeos heteros e lésbicos. Porém, apenas aqueles que se identificarem como homofóbicos extremos, ficaram sexualmente excitáveis quando assistiram à pornografia gay. Após o experimento ser concluído outra pergunta foi feita aos participantes: quanto, de 0 à 10, você ficou excitado pela pornografia gay? À essa pergunta, mesmo o participante tendo sentido e visto sua própria excitação, 100% dos homofóbicos responder “0”. Esta pesquisa nos mostra como a aparência social, ser socialmente aceito, faz com que as pessoas suprimem sua própria identidade sexual ou de gênero (Link para o vídeo segue na bibliografia).
A Sombra pode ser também um importante obstáculo para a Individuação. As pessoas que estão inconscientes de suas sombras, facilmente podem exteriorizar impulsos prejudiciais, para si mesmo ou para os outros, sem nunca reconhecê-los como errados. Quando a pessoa não chegou a tomar conhecimento da presença de tais impulsos nela mesma, os impulsos iniciais para o mal ou para a ação errada são com freqüência justificados de imediato por racionalizações. Várias vezes a mídia divulgou algumas ações brutais cometidas contra homossexuais e transexuais, como a morte de Waldiney Rocha e Igor Alves por um menor de idade (que não teve o nome divulgado) que, apesar de manter relacionamentos amorosos com as vítimas, declarou que tem “ódio dos gays” e que “gente assim não deveria ter no mundo”.
Ignorar a Sombra pode resultar também numa atitude por demais moralista e na projeção da Sombra em outros (Testa, 2010). Por exemplo, aqueles que são muito favoráveis à censura e prisão de gays tendem a ficar fascinados pelo assunto que pretendem proibir; eles podem até convencer-se da necessidade de estudar cuidadosamente toda história do homossexualismo, histórico e bíblico, disponível, a fim de serem censores eficientes.
Outros homossexuais, muitos na realidade, não vivenciam sua homossexualidade, mesmo que clandestinamente, com medo da punição social (Mesquita, 2010). Previne-se dos estímulos aversivos que são gerados pela punição à homossexualidade contra- agredindo os homossexuais. Esta contra- agressão é um comportamento de esquiva da sua própria homossexualidade. Geralmente, a maioria, reprime sua homossexualidade ao extremo, ligando-se a uma organização política, grupos reacionários ou religiosos que perseguem os homossexuais.
Outro caso famoso que repercutiu muito na mídia foi a morte de João Donati por outro jovem, que mantinha relações sexuais com João, porém teve uma resposta violenta quando a vítima sugeriu que seria o ‘’ativo” por uma vez. A “inferiorização” do outro homem, que se viu sendo “reduzido” ao papel do passivo (que seria o papel da mulher, na visão da sociedade heterossexual) gerou uma violência brutal, um ato completamente antagônico com o seu comportamento anterior.
Fazer uma reação pode ser interpretado, também, como um comportamento que remove estímulos que tornam o comportamento punível. O comportamento de fazer uma reação funciona como autocontrole. Ao fazer uma reação a pessoa controla a tendência de praticar o ato homossexual, fazendo campanhas públicas contra gays e lésbicas. Agindo assim, é pouco provável que pratique o que deseja e se sua campanha homofóbica ganha destaque e aprovação (é reforçada pela comunidade e mídia) a vontade de praticar será enfraquecida, mas não eliminada.
CONCLUSÃO
Conhecer nossa sombra é o único jeito de lidarmos, de forma satisfatória e saudável, com aquilo que não aceitamos dentro de nós mesmo pela pressão, muitas vezes da sociedade como um todo. O comprometimento de balancear a Sombra com a Persona seria o ideal para que todos pudessem
Claro que não podemos dizer que todos os casos de homofobia, tanto os que resultam em violência física e psicológica quanto a omissão e o desserviço com a população LGBTT, são causados por homossexuais latentes. Muitos casos de homofobia são constatados em indivíduos que estão inseridos, desde criança, em contextos homofóbicos, que pode ser a família ou o grupo de vivência do indivíduo. Como diz Daniel Borrillo “a homofobia é familiar. Percebemo-la como um fenômeno banal”. Mas isto seria um tema melhor abordado por outro trabalho.
Referências Bibliográficas
Adams, H., Wright, L.,; Lohr, B. Is homophobia associated with homosexual arousal? Journal of Abnormal Psychology, 105, 440-445, 1996.
Borrillo, D. A homofobia. Homofobia e Educação: um desafio ao silêncio, 2010.
Mesquita, R. Homofobia internalizada. Monografia, 2010.
Souza, F. A homossexualidade para C.G. Jung, 2014 https://www.psicologiamsn.com/2014/07/homossexualidade-para-c-g-jung.html
Testa, A. L. Homofobia: a atuação de um conflito interno. 2010 http://www.terapiaemdia.com.br/?p=1027
Link para o vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=Y9UeKYF6sno