A personalidade dos gestos
Universidade de Brasília
Disciplina: Psicologia da Personalidade Turma: B
Professora: Elisa Walleska Krüger Costa
Aluno: Daniel Carvalho Marques 13/0024155
Quando pensamos em personalidade, muito vem em nossa mente. Pensamos em pessoas, lugares, sentimentos, emoções, em diversas instâncias. Deparamo-nos com centenas de cenários e conceitos confusos, de difícil entendimento, que se misturam e muitas vezes se confundem, dificultando nossa análise e nosso entendimento. Além de muitas vezes nos enganarmos construindo certezas errôneas baseadas em eventos mal interpretados a respeito do que ocorre em várias situações ao longo de uma sociedade.
A personalidade vem nos mostrar que seus parâmetros, suas nuanças e suas sutilezas vêm à tona de uma forma muito mais rebuscada e intrigante do que pensávamos compreender, demonstrando leveza e mistério em seu manifestar. Aqui entra a figura de Dr. Jean Bergès, antigo chefe de clínica da Faculdade de Medicina de Paris, autor do livro Os Gestos e a Personalidade, que vem nos mostrar como essa personalidade se manifesta em situações muitas vezes corriqueiras, e como muitas vezes significa algo muito mais profundo e intrínseco.
O livro aborda desde o desenvolvimento do gesto na sua fase inicial até o seu desenvolvimento máximo, onde começa a afetar outras pessoas, ou seja, o gesto sai de seu cunho individual e particular. O estudo começa dissecando o comportamento dos bebês, evidenciado por falas do autor sobre experiências que teve durante seu período na clínica da faculdade de medicina de Paris. Nesta parte ele fala sobre como recém-nascidos vão aos poucos descobrindo suas musculaturas, articulações e movimentos; e como isso já aos poucos começa a influenciar um início de desenvolvimento cognitivo e de personalidade.
Em seguida dá-se início a uma série de eventos que desencadeiam experiências, muitas vezes oriundos de acidentes ou acasos, e exigem cada vez mais um despertar da maturação nervosa do bebê. Contudo, ele diz, que esse movimento ainda não perpassa uma condição de gesto: a manifestação de uma intenção. Uma criança que aprenda um movimento de abrir e fechar a mão, deixando algum objeto que segurara cair para tornar a pegá-lo, aprendeu esse movimento e obteve uma maturação nervosa. Contudo a partir do momento que a criança passa a jogar objetos para comunicar uma insatisfação, eis que temos agora um gesto, pois veio do interior transmitir uma intenção, um sentimento.
A cada nova experiência, a criança recebe novos estímulos e novas maturações vão ocorrendo, e ela vai descobrindo o mundo ao explorá-lo com sua melhor ferramenta: seu corpo. Cada aperfeiçoamento dos seus sistemas neuromotor, sensório, etc. torna possível um novo modo de ação. Assim começa um sistema de trocas, onde o bebê está continuamente influenciando e sendo influenciado pelo meio que o cerca. A criança vai adquirindo um conhecimento cada vez maior de seu corpo e então começa uma fase de adequação do gesto, onde ela passa a compreender as coordenadas do espaço e do tempo, interagindo mais com seu volume corporal. As informações dessas coordenadas vêm de diversas fontes como o tato e seus variantes como a dor, a temperatura etc.
Essa é a primeira fonte de informação que o recém-nascido se apoia, quando sua mãe começa a interagir com ele de modo a abraçar, levantar, virá-lo de costas e acaricia-lo ele começa a criar sua base de dados sensoriais, sendo a partir deles que o bebê esboça conhecimentos sobre seu próprio corpo. Assim se constituem as ocorrências que concorrem para o conhecimento e a consciência tanto corporal quanto a do espaço e contexto que o cerca. Essa troca permanente se processa em ritmos e intensidades diferentes em cada criança, pois são impulsos diferentes.
Começamos a entender portanto que a gênese dos gestos está diretamente ligada à maturação da personalidade desde a origem até as condições externas do meio. E essa motricidade dos gestos está diretamente ligada aos traços da personalidade, que encorajam, entusiasmam, provocam e sustentam tal atividade, oriundas de desejo e impulso.
Conforme a criança cresce, seus gestos começam a adquirir (assim como ela própria) significados de linguagem, linguagem que carrega em si uma revolução fundamental nas modalidades de troca, e a criança a partir da idade de três anos inicia sua conquista sobre essa linguagem, estendendo-se à expectativa de receber de volta um gesto de outrem. Jean coloca que o gesto agora está intimamente ligado ao desejo de se enviar uma mensagem, ao contato e ao impulso.
A criança depende do meio e das pessoas que o cercam, de tal forma que Jean Bergès afirma: "o bebê aprende a agir primeiro pelos outros antes de agir por si próprio". Jogando constantemente com os inúmeros fatores influentes, o bebê acha uma ferramenta muito expressiva de aprendizado gestual: a imitação. Esta inicialmente sujeita a retoques e lapidações, moderadas por todos que cercam a criança na sua fase de desenvolvimento, interagindo com ela. No decorrer do tempo, ela compreende a identidade do gesto do adulto e consequentemente passa a imprimir um ritmo e um significado que é só seu.
Essa função da imitação serve como norteador biológico instintivo que aperfeiçoa o gesto, moldando-o até que o indivíduo possa torná-lo cada vez mais pessoal. Esse gestual, porém, será estimulado, inibido ou desviado de acordo com o modelo a ser imitado, especialmente no ambiente familiar. Assim, a influência do meio não se manifesta apenas pelos gestos que a criança cometeu ou deixou de cometer, mas também na medida em que ela possui um corpo que pode agir ou não de acordo com proibições.
O indivíduo vai assim construindo seu vocabulário gestual, traduzindo com o corpo o que é (o autor chama de gesto, maneira de ser) e o que quer comunicar (gesto, maneira de dizer). Esses dois se combinam para um gesto da personalidade, que se completa a medida que une esses dois “tipos” de conotações.
Como os gestos agora assumem uma conotação linguística, ou seja, passam a comunicar algo, torna-se necessário que esse meio de expressão seja compreensível. Existe portanto o que Jean chama de "fundo comum"dos gestos, onde apesar de não deixarem de ser pessoais, possuem significados universalizados: os braços que caem quando do cansaço, encolher-se no medo, cair de joelhos, estender a mão, entre outros. É a chamada linguagem dos gestos.
Apesar dessa linguagem mais universalizada, não podemos ser traídos pelo pensamento de que ela preenche todas as lacunas de significados como no caso de um texto, pois não apresenta a mesma continuidade e a mesma fluidez. O gesto indica, sugere. No geral, exprime uma alusão a algo que se deve suavizar, mascarar ou adulterar. Em certos casos, o gesto transparece o que o sujeito é (ser), já em outros casos, o que o sujeito parece (parecer); que é justamente as duas conotações que esse gesto pode assumir. E é justamente esse jogo constante entre ser e parecer que faz com que a linguagem gestual seja muitas vezes confusa, dispersa, turva; pois os costumes, a polidez, a educação, as culturas e as proibições, que variam de pessoa a pessoa, mascaram e confundem estes sinais.
Há ainda uma manifestação mais sutil do gesto, quando este se manifesta para o interior, para o próprio indivíduo, como uma conversação interior. Aqui, o gesto serve para exprimir bem alto o que pensou-se bem baixo. Assim o gesto adquire mais uma função: descarrego de tensão. Essa função é de suma importância, mostrando que o gesto que se faz em si próprio é também o gesto feito para si próprio. Essas dualidades do gesto nos mostram o quanto é fluida a personalidade, e o quanto suas manifestações são inconstantes e sutis.
Se desde sempre o indivíduo possui uma maneira de fazer própria, natural e singular, é inegável que a idade tenha também uma influência deveras significante nas modalidades do gesto, uma vez que com o passar do tempo, vamos aprimorando e modificando nossa personalidade. Uma criança possui gestos mais rápidos, extravagantes, instáveis e naturais – por sua vez uma pessoa idosa é mais contida, razoável, medida - o que evidencia o processo de maturação tanto da personalidade quanto do gesto.
Contudo, a idade não deixa de indicar certo estilo, certa individualidade. Vemos o quanto é pessoal a maneira de dizer do gesto pois está intimamente ligado à gênese da personalidade. Pode ser mais brusco nos homens e mais delicado nas mulheres; mais internalizado ou mais extrovertido; mais habilidoso ou mais travado – mas sempre se baseando no fundo comum de significados.
Tomemos agora um exemplo de um contexto social humano: o aperto de mão. O aperto de mão representa, numa relação social, como uma primeira impressão, um cartão de visita para a personalidade do indivíduo. Quando em um contexto de apresentação pessoal, pode demonstrar muito sobre a essência de cada pessoa. É nele que contém informações que o indivíduo deixa transparecer e normalmente ele se dá num contexto neutro, onde ambos não se falaram e não carregam juízos de valores.
Assim como em todos os gestos, o aperto de mão vem munido de uma série de características que passam a defini-lo e possibilitam enxergar através da janela que se abre para a visualização da personalidade da pessoa. O aperto de mão é uma descoberta - possui diversas manobras preparatórias, possui na posição corporal e nas suas intenções, uma série de sutilezas que o constituem e nos dão o espaço necessário para a análise da personalidade do outro.
Àquele que se estende a mão torna-se primeiramente necessário dirigir-se ao outro, lançar-se no espaço. São as pernas que se interessam primeiro, em seguida o tronco toma posição de reconhecimento. O movimento de cumprimentar sugere outro – precede, antecipa, incita. Esse primeiro impulso provoca no outro uma reação e, guiado por sua personalidade, que controla seus gestos (maneira de ser e maneira de parecer), o outro reage a fim de responder ao chamado.
Vejamos alguns exemplos: um indivíduo que vem cumprimentá-lo e apresenta então um aperto de mão extremamente forte, aponto de deixarmo-nos doloridos. O que esse gesto e a maneira com que ele é executado pode revelar sobre essa pessoa no que diz respeito à personalidade? Pode indicar que aquele indivíduo ainda se apresenta como um criançola, mostra que deseja ser sincero mas ilude a si próprio. Encobre sua falta de vontade firme e certa inconsistência sob uma brusquidão que revela a má qualidade de seu controle motor e emocional. Sua personalidade tem uma feição carrasca, robusta e grosseira.
Outra possibilidade é a de uma pessoa que se apresenta de maneira antagônica à da pessoa anterior: lança uma mão mole, desavisada e descontente – é a mão da recusa. Recusa de ser tanto a pessoa que estende a mão quanto a de ser estendida. Recusa de estar no mesmo nível do outro, a mão é deixada com repugnância, emprestada e não dada, como uma obrigação. Demonstra uma personalidade fria, distante, de uma pessoa introspectiva e solitária que pede uma “conversa a distância”, pois para ele é vital essa distância entre ele e a realidade. Essa vontade de manter o outro longe evidencia uma tentativa de dispensa do contato rude de sua presença, o egoísmo, a falta de generosidade e o calor nas relações humanas são seus traços marcantes no tocante à personalidade.
Aqui vimos, rapidamente, sutilezas do gesto e como a personalidade se manifesta nas entrelinhas, de maneira muito implícita. O estudo dos gestos e principalmente da personalidade se estende ainda por vários campos, mas aqui demos pinceladas sobre uma aplicação mais prática de algumas teorias, e como estas tomam forma num cotidiano e num contexto aonde, como já vimos, tudo se mistura e se confunde. O livro ainda aborda uma série de diversas outras situações que nos dizem muito sobre a personalidade como a maneira de se portar, de sentar-se, de dar e receber, de pegar com as mãos entre outros.
Percebemos, portanto, que nossa personalidade está constante e diretamente ligada a nossa vida e nossas ações, e que não conseguimos ser (personalidade) sem agir (gestos) ou vice-versa. É uma inter relação que está em constante construção e aperfeiçoamento e por mais que tentemos, nunca conseguiremos um gesto que foi apenas uma ação , e não uma manifestação interior.Estamos sempre nos mostrando ao mundo, basta que alguém queira e tente nos ler.