O desenvolvimento psicossocial de Erik Erikson: a formação da identidade (nacional)
Universidade de Brasília
Disciplina: Psicologia da Personalidade Turma: B
Professora: Elisa Walleska Krüger Costa
Aluno: Igor Magri de Queiroz
1 INTRODUÇÃO
Muito se pergunta sobre a formação identidade e quais são os motivos de pessoas se unirem sob uma única bandeira chamada identidade nacional. Como essa pergunta ainda não possui uma resposta em definitivo, vários autores da modernidade tentaram, e ainda tentam, explicar o processo de aquisição e formação da identidade pessoal e nacional. A complexidade dessa formação, dependente de várias variáveis externas, fenômenos da sociedade, e internas, como o indivíduo apreende os fenômenos, é, talvez, a maior dificuldade de se chegar a um consenso.
Um daqueles que propôs uma teoria para explicar a identidade, foi Erik Erikson, que segundo Niethammer (1997), foi um mestre em psicologia infantil e na elaboração de biografias de figuras famosas, e adepto da escola de psicanálise do ego de Anna Freud, sendo o primeiro a dar um sentido social a palavra identidade, isto é, a identidade passa a ser usada para explicar a dialética do processo de socialização do indivíduo, ou o psicossocial.
Um autor que possui uma brilhante análise sobre a formação do nacionalismo é Hobsbawm (1991), onde, apoiado sobre diversas fontes, empreende a tentativa de compreender a formação do nacionalismo através de forças sociais que formam a identidade nacional, sendo que em um processo recíproco essas forças são influenciadas. Contudo, a identidade nacional é uma função da identidade singular, já que o modo que ela se expressa depende do indivíduo, e é justamente aí que entra a junção entre a psicologia de Erikson e a história de Hobsbawm.
2 O DESENVOLVIMENTO PSICOSSOCIAL
Erikson desenvolve sua teoria do desenvolvimento psicossocial de maneira muito peculiar, mas ao mesmo tempo muito característica da sua época. Quando esse jovem dinamarquês começa a viver as mais diversas esferas da vida humana, ao se desenvolver provando dos conflitos que a vida proporciona, ao experimentar suas crises de identidade em cada uma das suas chamadas “fases de desenvolvimento psicossocial”, Erikson começa a formular suas teorias de acordo com as suas vivências.
Caracterizando a vida humana como o chamado “ciclo vital”, ele a divide em oito fases que compreendem cada uma certa faixa etária. Cada estágio terá um conflito a superar e uma crise de identidade que será fulcral para a formação do ego. Para Erikson, o ego é visto como além do moderador entre o id e o superego, algo que possuía vida própria, ou seja, ele é meio inconsciente e consciente, representando uma totalidade da personalidade mais do que o id (VERÍSSMO, 2002; RABELLO, PASSOS [200-?]; FLEMING, 2008).
Já as crises são vistas por Erikson com uma nova roupagem, isto é
[a palavra crise] está sendo agora usada para designar um ponto decisivo e necessário, um momento crucial, quando o desenvolvimento tem de optar por uma ou outra direção, escolher este ou aquele rumo, mobilizando de recursos de crescimento, recuperação e nova diferenciação. (ERIKSON, 1976, p. 14).
E os conflitos, internos e externos, são as forças fundamentais que personalidade vital do humano suporta em cada fase, de onde ele sai de cada crise com um sentimento maior de unidade interior (BORDIGNON, 2005; ERIKSON, 1976).
Ademais, Erikson (1976) caracteriza que o crescimento humano se dá através do ponto de vista dos conflitos, isto é, como já apresentado, os conflitos existentes das crises de cada fase do desenvolvimento psicossocial. O autor nomeia essa força de crescimento de “princípio epigenético”, de acordo com o autor, esse princípio afirma que tudo o que cresce possui um plano básico, sendo a partir desse plano que se erguem as partes ou peças componentes, tendo cada uma delas o seu tempo de evolução especial, até que todas tenham sido erguidas para formar então um todo em funcionamento. Fleming (2008) interpreta essa analogia de desenvolvimento embrionário com o desenvolvimento psicossocial, isto é, “Erikson believed that successful development at each stage was requisite for successful development at later stages” (p. 4).[1]
Ou seja, cada fase chega ao seu ponto máximo, enfrenta sua crise e encontra métodos para uma solução duradoura (o que Erikson vai chamar de resquícios para a formação da identidade na próxima fase). No entanto, um bebê seria capaz de lidar com isso? Erikson argumenta que somente no segundo ano é que ele começa a experimentar uma autonomia (ou dependência) a partir dos dois anos. Logo, é só nessa idade que a criança está pronta para um encontro com o seu meio (ERIKSON, 1976), desta forma, começa a sua formação identitária em conjunto com a sociedade, tendo seus primeiros contatos com a cultura nacional.
3 HOBSBAWM E ERIKSON: UMA ABORDAGEM
Partindo agora para o outro lado do prisma é hora de trabalhar a ótica do Estado, identidade nacional e desenvolvimento psicossocial.
Com a chegada da Revolução Francesa, o Estado Moderno toma forma. Ele era um Estado que dominava um povo territorialmente definido através de uma agência nacional suprema, sendo que seus agentes atingiam cada vez mais todos os habitantes. Exemplo dessa dominação, nos Estados burocráticos, era um sistema de registro de identidade, que tornava o habitante mais próximo com a administração e legalmente cidadão de um determinado Estado. No entanto, como os dirigentes dos Estados pós-revolução legitimariam a implementação dessas ações? Uma solução bastante conveniente era a identificação com um povo ou nação, principalmente porque esse Estado agora possuía uma relação simbiótica com essas instâncias, exemplo disso é a necessidade de soldados para as guerras (HOBSBAWM, 1991).
Erikson dá muita ênfase à importância que a sociedade possui para formação da identidade pessoal e, consequentemente, nacional. O autor afirma que “a força psicossocial [...] depende de um processo total que regula os ciclos vitais individuais, a sequência das gerações e a estrutura da sociedade, simultaneamente. Pois todos os três componentes do processo evoluíram juntos” (ERIKSON, 1976, p. 141), isto quer dizer que tanto o indivíduo como a sociedade mudam em conjunto, se construindo através da força psicossocial que permeia o desenvolvimento do indivíduo.
Por conseguinte, através da análise de Hobsbawm, percebe-se uma mudança na ação do Estado para a formação de uma identidade nacional, que cria uma relação de troca de valores e crenças entre o povo e o Estado formulando, assim, uma nova abordagem para a disseminação dessa identidade, principalmente através das suas ações que atingem toda uma população.
Mas qual seria o papel do indivíduo através da abordagem de Erikson para a construção da identidade nacional?
Na teoria do desenvolvimento psicossocial, é durante a fase adolescente que a identidade é constituída, sendo o indivíduo definido para a vida adulta. Portanto, o papel do indivíduo se resumirá em três, divididos pela adolescência: 1) antes da formação da identidade, a absorção dos valores da sociedade nacional será o primeiro; 2) durante adolescência, a formação identitária; 3) após a formação da identidade, a propagação desses valores.
O primeiro papel será centrado na recepção do indivíduo dos valores da sociedade, principalmente, por estar em uma condição de aquisição de confiança, autonomia, iniciativa e indústria. Confiança sendo desenvolvida pelo recém-nascido; autonomia pela criança a partir dos 2 anos; iniciativa a partir dos 3 anos; e indústria dos 3 aos 12 anos (MUUSS; et al., 1996; VERÍSSIMO, 2002, BOSSI; et al., 2010). Tudo o que essas aquisições de identidade têm em comum é uma coisa: experimentação do que a sociedade proporciona. Isto é, todas as suas novas habilidades, proporcionadas pelos ensinamentos dos cuidadores e pela convivência em sociedade, são reflexos daquilo que a “nação” oferece, tal como a linguagem e a religião.
Já o segundo papel, do adolescente, será a formação e a fixação da identidade, de forma que ele consolide seu papel social (ERIKSON, 1980). E de um estado onde o nacionalismo é pungente, se espera que esse adolescente agarre a religião cívica, que segundo Hobsbawm (1991) é uma forma de lealdade ao Estado, e absorva todas as características subjetivas do que é participar de uma identidade nacional. Para entender o que poderia compor essa subjetividade, Hobsbawm (1991), levanta quatro dessas características para essa análise da formação da identidade nacional, são: a linguagem, a etnicidade, a religião e o sentimento de pertencer ou ter pertencido a uma entidade política durável.
O terceiro papel do indivíduo começará a mudar quando o que surge para a formação da sua identidade agora não se baseia mais no “Eu sou”, agora se fundamenta no “Nós somos”. (BOSSI, et al., 2010). Além disso, Erikson (1980) apresenta a os conflitos da crise a ser enfrentada durante os cerca de 30 a 50 anos: a generatividade, que tem como principal preocupação estabelecer e guiar a próxima geração, esse sentimento não é ligado necessariamente com o fato de se ter filhos, já que pode existir indivíduos que não possuem filhos mas possuem esse sentimento, e, quando esse sentimento de generatividade falha, a estagnação pode surgir, fazendo como se os indivíduos se tornem seus próprios e únicos filhos. Para o fim da vida, Erikson (1976) explica que uma nova crise de identidade surge, que pode ser posta nas seguintes palavras: “Eu sou o que sobrevive de mim”. Portanto, percebe-se a grande preocupação do ser humano no quesito de se deixar algum tipo de resquício da sua passagem na Terra, principalmente na forma de transposição de suas vivências e modo de viver para a sociedade
4 CONCLUSÃO
Erikson ainda consegue iluminar o caminho das formações das identidades em seu trabalho Identidade – Juventude e Crise. O autor afirma que durante toda a infância ocorrem cristalizações probatórias de identidade que fazem o indivíduo sentir e acreditar que pode conhecer que é, sendo que a criança acaba descobrindo que a certeza do eu sofre desestabilizações por conta das descontinuidades do próprio desenvolvimento. Já a identidade final, formada no final da adolescência, é “superordenada em relação a qualquer identificação singular com indivíduos do passado; ela abrange todas as identificações significativas mas também as altera de modo a constituir com elas um todo único e razoavelmente coeso” (1976, p. 161).
Consegue-se afirmar, portanto, a importância que a comunidade possui para a formação da identidade pessoal da identidade tanto pessoal, quanto nacional, no quesito em que ela apresenta ao indivíduo valores e expectativas sobre o seu futuro. Nesse âmbito, entra uma esfera com um poder muito maior e ativo que uma comunidade: o Estado. Toda a sua mudança de ações, que agora formula a própria identidade (as carteiras, ao menos), consegue atingir sua “nação” através de sua dominação e indica um novo papel social para o indivíduo: lealdade ao Estado. Ou seja, o Estado é ator determinante para o funcionamento moderno do que se chama nacionalismo e o modo em que se cria uma relação com o fenômeno: a identidade nacional, formada justamente dessa troca entre Estado (sociedade) e indivíduo.
Contudo, não se esgota aqui as possibilidades de tratar deste tema polêmico e conflitante que é o nacionalismo. A tentativa de explicar a formação da identidade nacional segundo a teoria de Erikson, foi somente uma das várias facetas que o tema pode tomar. Destarte, uma luz pode ser jogada na obscura questão do nacionalismo.
REFERÊNCIAS
ANDERSON, Benedict R. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
BORDIGNON, Nelso A. El desarrollo psicosocial de Eric Erikson: El diagrama epigenético del adulto. Revista Lasallista de Investigación, Colômbia, v. 2, n. 2, pp. 50-63, jul.-dez., 2005. Disponível em: <http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=69520210>. Acesso em: 27 out. 2015.
BOSSI, Tatiele J.; et al. O ciclo vital segundo Erik Erikson e a constituição da identidade: experiência com um grupo de adolescentes (2010). In: SIMPÓSIO DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO, 14., 2010, Santa Maria, Rio Grande do Sul. Anais... Santa Maria: UNIFRA, 2010, p. 1-10.
ERIKSON, Erik H. Growth and crisis of the healthy personality. In: ______. Identity and the life cycle. New York: Norton, 1980.
ERIKSON, Erik H. Identidade: juventude e crise. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1976.
FLEMING, James S. Erikson’s Psychosocial Developmental Stages. In: ______. Psychological Perspectives on Human Development. [S.l.: s.n.], 2008. Disponível em: <http://swppr.org/Textbook/Contents.html>. Acesso em: 27 out. 2015.
HOBSBAWM, Erik J. Nações e nacionalismo desde 1780: programa, mito e realidade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.
LASCH, Christopher. One Man's Quest for Sainthood and the Revolutionary Philosophy to Which It Led. The New York Times, 14 set. 1969. Disponível em: <https://www.nytimes.com/books/99/08/22/specials/erikson-gandhi.html>. Acesso em: 26 out. 2015.
MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. A problemática da identidade cultural nos museus: de objetivo (de ação) a objeto (de conhecimento). An. mus. paul., 1993, vol.1, no.1, p.207-222.
MUUSS, Rolf; et al. Erik Erikson’s theory of identity development. In: ______. Theories of adolescence. New York: McGraw-Hill, 1996.
NIETHAMMER, Lutz. Conjunturas de identidade coletiva. Projeto História: revista do programa de estudos pós-graduados de história, São Paulo, v. 15, pp. 119-144, jul.-dez., 1997. Disponível em: <http://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/view/11218/8226>. Acesso em: 28 out. 2015.
RABELLO, Elaine; PASSOS, José Silveira. Erikson e a teoria psicossocial de desenvolvimento. [S.l.: s.n.], [200-?]. Disponível em: <http://www.josesilveira.com/novosite/index.php?option=com_content&task=view&id=48&Itemid=38>. Acesso em: 27 out. 2015.
VERÍSSIMO, Ramiro. Desenvolvimento psicossocial (Erik Erikson). Porto: Faculdade de Medicina do Porto, 2002. Disponível em: <https://repositorio-aberto.up.pt/handle/10216/9133>. Acesso em: 27 out. 2015.
[1] “Erikson acreditava que o desenvolvimento bem-sucedido em cada etapa era requisito para o desenvolvimento bem-sucedido em fases posteriores” (tradução livre do autor)